Após uma campanha tensa de dois turnos em que venceu o candidato petista Nelson Pelegrino, ACM Neto (DEM) iniciou sua gestão na prefeitura de Salvador deixando a política em segundo plano. Priorizou logo de cara a recuperação financeira e gerencial da máquina e baixou normas, algumas polêmicas, mas que têm tido mais apoio da população soteropolitana.
O retorno do DEM a um alto posto de comando na Bahia foi antecipado como uma espécie de “desforra” aos últimos anos de derrotas dos remanescentes do carlismo. Porém, até agora o prefeito se mantem à margem das especulações e das desavenças políticas.
A tônica do mandato estava sendo planejada desde antes da posse. Pouco após a eleição, Neto se reuniu com o governador Jaques Wagner (PT), combinou uma série de ações coordenadas e, segundo ambos, à parte da noção de governo e oposição. Logo após, instituiu um grupo de transição que iniciou estudos sobre a situação que herdaria de João Henrique Carneiro (PP). Feito isso surgiram as primeiras medidas emergenciais.
Diante da dívida global de cerca de R$ 3 bilhões que afirma ter herdado, o prefeito cortou 20% das despesas do Executivo. Eliminou cargos de confiança, diminuiu o número de secretarias e determinou economias diversas. Outras medidas foram tomadas em um conjunto de 39 decretos assinados de uma só vez.
Os decretos envolviam criação de grupos de trabalho para análise de situações financeiras, revisões de leis, investigação de supostas irregularidades e também a suspensão dos pagamentos de contratos da gestão passada. O demista afirmou que a ideia era estudar as situações dos contratos para que houvesse regularização dos débitos, negociação das dívidas e racionalização no uso de verbas. No plano gerencial, exigiu que os secretários tivessem ficha limpa para ocupar cargos.
As únicas pastas livradas do corte na carne foram Saúde e Educação. Nesta última, porém, houve um grande remanejamento de servidores que, por motivos diversos, não cumpriam suas funções originais e desfalcavam escolas e outros instrumentos de coordenação do órgão. A partir da organização do secretariado, o prefeito passou a ter entre seus companheiros de gestão uma relação de cobrança e demonstração de resultados.
Como esperado, a forma de governar de Neto agrada seus aliados e alvoroça os opositores. Para estes, trata-se de uma gestão “maquiada”, que investe no poder da mídia para “vitaminar” realizações simples e óbvias. Já os partidários do ex-deputado comemoram as ações e alegam que trata-se de um momento de resgate do poder de autoridade da prefeitura.
Ao escolher colocar atenções na gestão e escantear a política, Neto garante que não tem tempo de acompanhar o cenário atual e, às vezes, sequer conversar sobre a vida partidária. Uma vez que a sucessão de 2014 está a pleno vapor entre governo e oposição, o nome do prefeito da capital é um dos mais citados como possível adversário petista para o governo no ano que vem. Ele, entretanto, faz questão de afastar qualquer possibilidade de concorrer a cargos no próximo pleito.
“Não há hipótese de eu ser candidato. Ela sempre foi descartada por mim enquanto candidato a prefeito e por mim agora como prefeito de Salvador. A cidade tem tanto desafio pela frente, tem tanto problema para ser resolvido, que não há hipótese de eu sair. E não haveria hipótese de nenhum outro que aqui estivesse sentado pensar em sair candidato”, disse à Tribuna da Bahia no final de março.
Quando toca nas raias da política em sua gestão, ACM Neto tem procurado se manter em um patamar neutro e, de acordo com ele, manter os interesses da população acima do jogo partidário. A maior pista deste comportamento está ligada à relação positiva que mantém com o governador Jaques Wagner. Frequentemente vistos juntos em eventos públicos, trocam elogios e combinam ações.
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‘Calça curta’
A maior de todas foi concretizada no último dia 4, quando a prefeitura de Salvador transferiu oficialmente o metrô da capital para a administração do estado. A negociação da transferência teve início logo após a eleição de Neto para o cargo e envolveu muito debate interno, além de desentendimentos levados a diversos níveis por aliados do prefeito e governador. O modal, que está sendo construído há 12 anos e já consumiu mais de R$ 1 bilhão em verbas sob a batuta no terceiro prefeito diferente, tem apenas seis quilômetros de extensão e foi apelidado de “calça curta”.
Inicialmente, João Henrique Carneiro deveria ter transferido a obra, mas uma série de desentendimentos políticos impossibilitaram a cessão. ACM Neto assumiu a responsabilidade e, juntamente com o governador, confeccionou um estudo técnico para viabilizar o pacto. As duas propostas foram apresentadas e giravam em torno de subsídios para a passagem do metrô e um preço específico para os ônibus que levariam os passageiros das estações do metrô para as convencionais.
Com o impasse relativo a esta tarifa, não foi possível fechar a transferência imediatamente. A queda-de-braço levou diversos políticos a se manifestarem sobre um suposto fim da “lua de mel” entre Wagner e Neto. Políticos ligados aos dois lados criticavam as propostas contrárias e acusavam tanto um quanto o outro de motivações financeiras para barrar o acordo.
“Só quem sabe o que são as negociações somos eu e o governador Jaques Wagner. Eu lamento bastante quem usa esta situação para se promover e levantar bandeiras políticas, especialmente na Câmara Municipal. A nossa relação continua muito boa e eu espero que esta lua-de-mel se estenda pelos próximos quatro anos”, disse Neto no fim de março. No final, chegou-se a um acordo e ficou acertada também que a tarifa para os ônibus que farão a integração com o metrô será de R$ 1,10, segundo informações da assessoria de Wagner. O valor da tarifa do metrô ainda não foi definido.
“Fizemos o que foi melhor para Salvador e para o cidadão. Cada parte cedeu um pouco para resolver o problema”, disse ACM Neto por meio da assessoria de imprensa. A proposta do governo era de criar um sistema de transporte alternativo unicamente em torno do metrô a um preço de R$ 0,95. Já a prefeitura queria acrescentar linhas de ônibus e fazer com que o usuário pagasse R$ 1,40.
Wagner aproveitou a visita da presidenta Dilma Rousseff à capital para a inauguração da Arena Fonte Nova, na sexta-feira (5), para comemorar o acerto. “Vamos juntamente com a prefeitura fazer todo o tráfego e trânsito de Salvador fluir como merece. Na segunda-feira (8) eu e o prefeito estaremos assinando o termo de acordo e aí passamos para a responsabilidade do estado os trens do subúrbio, o metrô. Finalmente, vocês vão ver que o sofrimento de 12 anos de Salvador, o metrô que nunca termina, vai chegar ao fim.”
Com a cessão da obra, o trecho restante de 12 quilômetros – que levará o modal da Rótula do Abacaxi até o bairro de Pirajá – será feito pelo governo, que também tocará as obras da Linha 1, entre a Rótula e o Aeroporto. No pacote, a Estação Pirajá, que concentra o maior número de ônibus da cidade em direção à parte das comunidades do entorno da BR-324, também passou para o comando do governo. Os trens do subúrbio também serão geridos pelo Estado. Dessa maneira, o poder municipal poderá concentrar mais esforços e finanças na recuperação da Estação da Lapa, no centro de Salvador.
Calcanhares de Aquiles
As novidades na gestão de Neto causaram efeitos colaterais que provocaram críticas. Uma delas é o grande número de aparições midiáticas que o prefeito e seus secretários fazem, com anúncios de ações para a imprensa a todo instante. Para os oposicionistas, é uma tentativa de parecer ao público que a prefeitura trabalha mais do que o real. O caso mais folclórico foi o anúncio oficial da transferência de três palmeiras da região do Caminho das Árvores para a avenida Vasco da Gama, considerado o ápice de uma “gestão midiática” do alcaide.
Por outro lado, o prefeito convoca entrevistas coletivas quase semanais, o que era impensável na gestão passada. No gabinete do demista, jornalistas fazem perguntas incômodas e, na medida do possível, ACM Neto não se esquiva delas.
Já a necessidade da ficha limpa para os secretários levou opositores a uma “minicaça às bruxas” para devassar o passado de determinados gestores. O que mais sofre com suspeitas de irregularidades e responsabilidades judiciais é o titular da Fazenda, o carioca Mauro Ricardo Costa. Com passado bem-sucedido na gestão financeira da capital paulista, ele foi trazido a Salvador pessoalmente pelo prefeito, mas, com poucas semanas de trabalho, foi destacado na imprensa por responder a um processo judicial por desvio de verbas à frente da Funasa em 2003.
A revelação dos jornais foi um prato cheio para os vereadores petistas na Câmara. Armando Lessa e Henrique Carballal não perderam tempo e exigiram, senão a exoneração do secretário, ao menos uma Comissão Especial de Inquérito para apurar as denúncias. Já outros adversários do palácio Thomé de Souza julgaram que o perfil do secretário era uma tônica do que Neto pretendia fazer com o poder público, o que remetia ao carlismo, vertente política fincada na figura do falecido senador Antônio Carlos Magalhães.
A prefeitura, porém, alegou que os processos já foram arquivados por não terem chegado a nenhuma conclusão e que as denúncias eram “irresponsáveis”. Já o prefeito saiu pessoalmente, em uma das coletivas, em defesa de Mauro Ricardo. “Se um secretário receber denúncias, ele responderá por ela. Mas no caso dele eu disse: ‘Eu vou lhe defender’. O secretário Mauro Ricardo, quando foi chamado para o cargo, trouxe para mim os processos e explicou toda a história e eu fiquei absolutamente convencido da sua inocência. Portanto, não há nenhuma violação ao decreto municipal da Ficha Limpa”, discursou.
Outro problema enfrentado pela gestão em Salvador se deu logo na primeira semana com o incêndio que destruiu o prédio da Secretaria de Educação. O Solar Boa Vista foi consumido pelas chamas na noite de 3 de janeiro e despertou muitas suspeitas devido ao fato de que o titular da pasta, João Carlos Bacelar, foi o único a ter sido “herdado” da amplamente criticada equipe de João Henrique.
As acusações de favorecer empresas em licitações e de usar a secretaria como comitê eleitoral do PTN, partido ao qual é filiado, levaram adversários a apontarem Bacelar como responsável pelo incêndio “criminoso” no prédio. O secretário e o prefeito anunciaram que os documentos perdidos poderiam ser quase todos recuperados no sistema eletrônico e em outros órgãos. A maioria deles seria do setor de pessoal, enquanto os de contratos foram preservados. No final de março, a Polícia Civil emitiu laudo atestando que o fogo começou por conta de um curto-circuito no edifício e encerrou a polêmica.
Suscitaram polêmica também as medidas de reordenamento do trânsito feitas pela prefeitura. Sob tutela da Secretaria de Urbanismo e Transporte, houve restrições de estacionamento em diversos locais da cidade, a exemplo do bairro da Barra e da avenida Vasco da Gama. De acordo com o secretário José Carlos Aleluia, trata-se de uma maneira de recuperar o espaço para os pedestres, diminuir aquele ocupado por carros e fazer valer as leis de trânsito, costumeiramente desrespeitadas em toda a cidade.
O processo, segundo o titular, está apenas no começo e chegará a diversas outras localidades. Os críticos da medida, porém, apelam para a impossibilidade de encontrar estacionamentos em outros locais e falta de disposição da prefeitura em criá-los. Assim, comerciantes e consumidores seriam estimulados a abandonar estas regiões, o que traria grandes prejuízos financeiros. Boa parte da Vasco da Gama, por exemplo, tem o comércio com base do mercado de veículos e autopeças. Sem estacionamento, muitas oficinas poderiam ir à falência.
Medidas com “criatividade”
A impossibilidade de investir verbas volumosas devido à grande dívida de curto e longo prazo da prefeitura levou ACM Neto e seus secretários a criar o conceito da “criatividade” para aumentar o poderio financeiro do Executivo e promover ações na cidade. “Criatividade”, diz o prefeito, significa usar ao máximo em prol do município as verbas que podem vir de outras fontes, especialmente da iniciativa privada.
O democrata afirmou que, em sua gestão, haverá a transformação da relação que o poder público e setor privado, de forma que os empreendedores serão obrigados a se comprometer com as contrapartidas para a cidade. A medida, que é lei, não estava sendo posta em prática nos últimos oito anos, mas de acordo com o gestor, os tempos mudaram. Por conta disso, em três meses uma prefeitura virtualmente falida foi capaz de anunciar obras e investimentos, o que causou surpresa.
No carnaval, por exemplo, a administração fechou um contrato de investimento maciço com a Ambev, que patrocinou boa parte das intervenções físicas na festa, a exemplo de estruturas para ambulantes, espaços alternativos de festas e serviços como internet wi-fi, banheiros e telões para informar os foliões nos circuitos. No âmbito da organização da festa, a prefeitura quer repensar o modelo de gestão para fazer com que, cada vez mais, quem explora o carnaval financeiramente pague por isso, o que desonera o Executivo e pode ajudar a perenizar as manifestações culturais mais frágeis, como os blocos afro.
Em março, utilizando as contrapartidas de empreendimentos vindouros, a prefeitura conseguiu anunciar a criação de três novas passarelas em Salvador, uma obra de requalificação completa na parte norte da orla da cidade e já planeja intervenções viárias de grande porte. Para estas, falta apenas fechar os valores e fontes definitivas das contrapartidas, de acordo com ACM Neto. Já outros empreendimentos fiados nestas iniciativas são a requalificação de sete trechos do litoral de Salvador e a reconstrução total do semi-abandonado Aeroclube Plaza Show, no bairro da Boca do Rio.
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