Jornal da ASTRAM – ENTREVISTA

Entrevista:
Sr. Horácio Brasil – Superintendente do Setps

“A questão de trânsito e transporte deveria ser
tratada com mais profissionalismo, com os ocupantes de cargos chaves sendo
escolhidos pelo conhecimento técnico e não por questões ou apadrinhamento
político”.
 
Jornal da ASTRAM (JA) – Na visão do Setps qual o principal ou os
principais problemas do Transporte em Salvador?
Horácio Brasil (HB) – Nós fazemos pesquisa todo ano e a nossa visão é a
do cliente, que utiliza o ônibus como meio de transporte. Nas nossas pesquisas
quando perguntado de forma espontânea quais os principais problemas do
transporte na cidade os usuários tem respondido na seguinte ordem: demora no
ponto, demora na viagem – que seria a fluência do tráfego – e medo/insegurança
nos pontos.
Quando perguntado de forma
induzida as respostas são: medo/insegurança – que diz respeito à questão da
segurança pública e não de transporte, demora no ponto e demora na viagem.
Portanto, torna-se necessário resolver a questão da fluência no tráfego para
chegarmos a lógica que pregamos que é 40 automóveis transportam em média 60
pessoas, que é o mesmo número transportado por um ônibus.
JA – Na edição do Jornal da
ASTRAM em que lançamos o Movimento Por Uma Nova Transalvador, comentamos sobre
o recuo do poder público e avanço do poder econômico nas decisões envolvendo
trânsito e transporte. Como o Setps vê essa colocação?
HB – O Setps
fez e faz um investimento pesado na parte técnica e na qualificação de pessoas,
propondo medidas, projetos e até financiando algumas ações. Nosso objetivo é
beneficiar todos que utilizam o transporte de ônibus na nossa cidade. De forma
alguma queremos “tomar” o lugar ou fazer a função que cabe a prefeitura de
Salvador, estamos aqui para auxiliar no que for necessário.

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JA – O que levou o SETPS a
suspender o pagamento da taxa do FUNDETRANS?
HB – A prefeitura acabou criando uma lenda urbana de que o Setps e as empresa de ônibus não pagam o valor do FUNDETRANS. O que existe é uma decisão judicial que nos autoriza a não efetuar esse pagamento, até que nos seja ressarcido os valores decorrentes das defasagens tarifárias.
A lei do FUNDETRANS prevê o equilíbrio econômico
do sistema e seus contratados, mas na prática não era isso que ocorria. Ao
longo dos últimos anos as empresas de ônibus passaram por diversas defasagens
tarifárias, chegando a passar períodos de até dois anos sem correção das
tarifas.
Quando a tarifa era corrigida, a prefeitura
corria para divulgar no Diário Oficial do Município e nos meios de comunicação
que: Apesar do estudo realizado, pela própria prefeitura, calcular que o valor
da passagem deveria ser R$ de 3,00 o prefeito decidiu que o valor seria de R$
2,50 pois a prefeitura entende que a maior parte da população não teria como
arcar com esse valor.
A questão passou a ser: Se a prefeitura calculou
o valor de R$ 3,00 dentro da lei e quer colocar um subsidio para a população,
ela deve arcar com a diferença. Como a prefeitura não arcava com essa diferença
e preferia empurrar o problema, as empresas começaram a ter problema de caixa e
algumas acabaram até fechando. Esse discurso dos prefeitos que passaram pelo
cargo, pode até ter dado um charme político, mais cedo ou tarde acabaria se
revertendo contra a própria prefeitura.
De posse dos cálculos da prefeitura, as empresas
de ônibus solicitaram uma averiguação do setor, com base nos estudos da
Fundação Getúlio Vargas (FGV).  A FGV fez
os estudos de quanto deveria ser a tarifa e calculou a diferença de tudo aquilo
que a prefeitura devia as empresas de ônibus ao longo dos últimos anos.
De posse desse laudo, as empresas de ônibus
entraram na justiça para que o pagamento do FUNDETRANS fosse suspenso. As
empresas de ônibus ganharam na primeira instância, a prefeitura recorreu e o
juiz confirmou a decisão definindo que dos valores devidos pela prefeitura às
empresas de ônibus, seria abatido os débitos existentes das empresas e que o
restante seria compensado, via suspensão do pagamento do FUNDETRANS. Isso
ocorreu em 2007 e desde então a prefeitura não recebe estes valores e nem
comunica a população e aos servidores municipais a verdade sobre o não
pagamento dessa taxa.
JA – Na opinião do Setps, qual seria a solução para essa questão da
defasagem nas tarifas de ônibus?
HB – Para
resolvermos essa questão necessitamos que seja revista a forma como o cálculo
da tarifa é feito. A própria legislação de 1992, auge da inflação, vai ter que
mudar. A tarifa amanhã ou depois terá que ter uma fórmula paramétrica, ou seja,
você faz os cálculos e depois vê o que pesa mais nas tarifas. Por exemplo,
identificou-se que os maiores gastos das empresas de ônibus são: pessoal,
combustível, pneumáticos e outros; a partir disso, se faz os cálculos de quanto
cada item subiu no último ano, depois se multiplica por uma constante, para
chegarmos ao valor final da tarifa.
JA – Porque a tarifa de ônibus em Salvador é tão cara?
HB – A tarifa
está cara, porque o Estado encarece. Você não pode ter um serviço público como
transporte, sem subsídio do poder público. Estudante tem que pagar meia? Tem.
Mais quem vai arcar com os outros 50% que ele não está pagando?
O lógico seria a sociedade
inteira pagar, para que aqueles que efetivamente utilizam o transporte público
pagassem menos. O que não pode é aqueles que usam pagarem para que alguns
privilegiados não paguem nada, como acontece hoje. Deficientes, idosos,
realmente tem que andar de graça, mas, quem vai pagar as passagens deles? Se
tivermos a resposta a essas perguntas, com certeza, teríamos uma tarifa de R$
1,80 e não de R$ 2,50.
JÁ – Com a sua experiência, nos explique como é essa situação em outros
países?
HB – Fazemos
coisas que países ricos não fazem, eles têm gratuidade, mas ela é sustentada
por toda sociedade, pois lá, diferente daqui, o transporte é para todo mundo,
não só para a parcela menos favorecida da população. Lá fora o transporte é para
todos que precisam, afinal, está impraticável andar de carro nas grandes
cidades.
Diferentemente do nosso, em
diversos países transporte público não paga impostos. Um cidadão que paga R$
2,50 por uma passagem, precisa entender que está pagando para transportar
outros cidadãos, e que essa responsabilidade não é dele, mas sim, do poder
público que deveria subsidiar. Isso tem que mudar, porque você chega nos
Estados Unidos e paga um dólar e meio para andar de ônibus e na Europa você
paga um euro.
Em Santa Mônica nos Estados
Unidos, um cidadão paga um dólar para andar de ônibus num trajeto pequeno. Mas
se ele pagar três dólares e meio, terá o direito de utilizar o sistema de
transporte metropolitano, que cobre Santa Mônica, Hollywood e Los Angeles, o dia
inteiro. Aqui se a pessoa tiver que pegar quatro transportes por dia, gastará
R$ 10, o que dará mais de R$ 200 por mês, ou seja, quase 30% de um salário
mínimo. Nosso usuário gasta mais com transporte do que um europeu, que tem um
salário mínimo de R$ 2.900, ou um americano, que tem salário mínimo de R$
2.200.
JA – Mesmo
depois de o VLT ter sido escolhido como modal a ser implantado na Paralela, o
Setps ofereceu R$ 600 milhões para a implantação do BRT surpreendendo a todos,
principalmente, pela situação da maioria dos ônibus de Salvador. O que motivou
tal atitude do Setps?
HB – Estamos
tentando apontar caminhos para própria sobrevivência do nosso negócio, e o
nosso negócio é o transporte de ônibus. Mas antes de tudo, temos a convicção de
que o BRT
(linhas exclusivas de ônibus) é a melhor opção para Salvador
devido ao baixo custo e rápida implantação. Os trâmites de licitação, obras e
inauguração durariam no máximo dois anos. Mas, devido a interesses políticos,
acabaram escolhendo outro modal, mais caro e demorado.
JA – Como o Setps está contribuindo para a melhora do trânsito na nossa
cidade?
HB – Infelizmente
a prefeitura não se preocupa em realizar estudos, projetos e como somos o
segundo interessado contribuímos e acabamos revertendo recursos que não são
pagos em benefício de todos. Se nós estivéssemos depositando o dinheiro
referente ao FUNDETRANS, dificilmente ele se reverteria em projetos para
melhoria do trânsito da nossa cidade. Estamos tentando apontar caminhos para a
própria sobrevivência do sistema, só em 2010 investimos R$ 12 milhões em
projetos de forma espontânea.
JA – Outro ponto que abordamos no Movimento Por uma Nova Transalvador é
responsabilidade do usuário do transporte. Como o Setps analisa essa questão?
HB – Cedo ou
tarde vai ter que haver uma conscientização por parte da população sobre a
necessidade do bom uso do transporte coletivo. Isso só vai ser conseguido
através da educação, que junto com a engenharia de tráfego e a fiscalização
formam os pilares do trânsito.
Isso deve começar na escola, com
as crianças aprendendo sobre a responsabilidade no trânsito. Eu mesmo só
comecei a usar cinto com frequência e hoje não consigo sair sem colocá-lo, por
causa dos meus filhos. As campanhas educativas e de conscientização tem um
papel importante, elas tem um custo, mas também tem um retorno muito grande. A
maioria das pessoas é cidadã, muitas vezes tem apenas que ouvir um conselho.
JA – O que deveria mudar na nossa cidade com relação ao Trânsito e
Transporte?
HB – A questão
de trânsito e transporte deveria ser tratada com mais profissionalismo, com os
ocupantes de cargos chaves, sendo escolhidos pelo conhecimento técnico e não
por questões ou apadrinhamento político. O Ministério dos Transportes deveria
ser vinculado diretamente à prefeitura e os políticos precisam respeitar os
funcionários públicos, proporcionando condições de trabalhão decentes,
reciclagem, ferramentas e métodos de gestão.
São necessárias reciclagens e
atualizações constantes, afinal os métodos e a tecnologia se modernizam a todo
instante. Hoje quem faz reciclagem é apenas o setor privado, a prefeitura não
se preocupa em investir nisso.
JA – Na
sua visão, qual a importância dessa discussão sobre trânsito e transporte que a
ASTRAM está levantando?
HB – É
belíssima e completamente válida essa atitude da ASTRAM de debater a questão do
trânsito, transporte, da mobilidade urbana, da figura do servidor da
Transalvador nessa discussão, da responsabilidade do usuário, sempre procurando
escutar os principais envolvidos nesse processo. O Setps vai participar desse
movimento e coloca-se a disposição para o que se fizer necessário. Fui servidor
municipal durante 15 anos, acompanhei a fundação da ASTRAM e sei da seriedade e
representatividade dessa instituição. Só tenho a parabenizar a ASTRAM por mais
essa iniciativa.

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