Correio: Projeto de vereador tenta criminalizar atuação de flanelinhas em Salvador

De um lado,
proprietários de automóveis que se sentem vítimas cada vez que precisam
estacionar nas vias de Salvador. Do outro, flanelinhas com liberdade para agir
em uma cidade mal preparada para absorver os quase 750 mil veículos que se
espremem na luta por um lugar em espaços públicos sem fiscalização e ordem. No
meio, um vereador que pretende criminalizar a ação de guardadores clandestinos
de carro na capital, mesmo que a ideia possa esbarrar na Constituição.
Recentemente, o
vereador Batista Neves (PMDB) apresentou à Câmara um projeto de lei para coibir
a prática na cidade e iniciou a busca por apoio de colegas do parlamento. Ao
mesmo tempo, vem tentando mobilizar a opinião pública em torno da proposta,
Caso consiga, a atuação dos flanelinhas nas vias públicas soteropolitanas pode
caminhar para o fim.
“Tenho ouvido queixas
de pessoas que vão estacionar os carros na cidade e têm uma dificuldade enorme.
Cada lugar desses tem um grupo de proprietários, que cobram antecipadamente
(pelo espaço). Há uma cobrança de forma abusiva e indevida”, destaca o
vereador, que usa como principal justifica relatos dos que se dizem acuados
pelos flanelinhas da cidade.
Relatos que se espalham
pela cidade, narrados ao CORREIO por pessoas que buscam estacionamento pelos
mais diferentes motivos. Gente como a promotora de eventos Juliana Viana, 24
anos. Certa vez, conta, sentiu-se ameaçada por estar sem os R$ 2 para completar
os R$ 10 exigidos pelo flanelinha. “Ele me disse que, se eu não tivesse os 10
reais, teria que retirar o carro da rua em que ele estava. Se eu não retirasse,
seria muito pior”, diz.
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Na ocasião, Juliana foi
com amigos a um show no Bahia Café Hall, na Paralela. Segundo ela, devido à
falta da “taxa” pedida, acabou retirando o carro de uma rua próxima à entrada
da casa de eventos. “Lá, eles cobram de acordo com o show. Se for uma banda
famosa é 10 ou 20 reais. Com mulher é pior. Eles ameaçam mesmo. Ele queria os
10 reais e disse: ‘Se você não tem a grana para pagar, vai tirar o carro
daqui’”, afirma a promotora, que garante ter um arranhão no carro como
resultado da “conversa”.
O contador Antonio
Carvalho, 47, ainda exibe por onde passa as marcas de um dano provocado na
porta do motorista, cuja ação é atribuída a um guardador clandestino. Ele, que
costuma estacionar no Comércio a trabalho, relata que uma vez reagiu à
abordagem. “O flanelinha disse que tinha uma vaga. Eu perguntei se era dele e
se tinha escritura. Quando cheguei em casa, minha mulher foi quem viu as
marcas. Ele deve ter batido com uma chave de fenda”, diz.
Para ele, uma proposta
como a de Batista Neves é necessária. “Se ele (o flanelinha) percebe que você é
mais tranquilo ou que fica nervoso, ele começa a extorquir mesmo. Tem que ter
uma lei para acabar (a cobrança indevida), porque eles acham que são donos”,
complementa.
Discordância
– Apesar dos queixas, nem todo mundo tem a mesma opinião sobre os flanelinhas.
O assistente educacional José Marcelo Oliveira, 23, garante que nunca teve
problemas com a ação. Pelo contrário. Ele afirma que costuma estacionar no
estrangulado Comércio, no fundo de outros veículos. “Deixo o carro solto,
desengrenado, e eles ajudam, ficam empurrando quando alguém precisa tirar o
carro do lugar”, diz.
Para outros, a questão
está na inércia da administração pública. O empresário Joufrei Santos, 35,
conta que teve o retrovisor quebrado ao sair de um show na avenida Paralela.
Mas, opina, o prejuízo deve ser imputado à falta de fiscalização. “É um valor
que a gente não tem que pagar. Mas isso acontece direto e ninguém faz nada”,
destaca. Coisa que, de acordo com o teor do projeto de Batista Neves, tem
solução. Segundo a proposta, caberá à prefeitura administrar o estacionamento
em vias públicas.
Proposta
possui pontos polêmicos
– A justificativa apresentada pelo
autor da proposta é fundamentada no que Batista Neves considera “duas
problemáticas de ordem social: o subemprego e o estímulo à esmola”. No texto,
com potencial para criar polêmica, o vereador destaca que a grande maioria dos
flanelinhas “se apropria dessa condição e não procura uma qualificação para
melhorar de vida; acomoda-se e, quando não, alimenta o tráfico de drogas”.
As críticas e acusações
de Batista Neves à prática são diretas e com teor generalizante, incluindo
todos os flanelinhas em um mesmo padrão de comportamento. “É uma situação
extremamente desagradável. Eles fazem parte de uma quadrilha, onde um gestor
coloca três ou cinco pessoas para agir em um determinado local. É um esquema
lucrativo. No Comércio, é uma verdadeira máfia e eles ganham dinheiro que não é
brincadeira”, dispara.
De acordo com o projeto
de lei, o serviço deve ser explorado pela prefeitura e a fiscalização caberá à
Superintendência de Trânsito e Transporte do Salvador (Transalvador) e à Guarda
Municipal. “É também uma forma de a prefeitura arrecadar e dar segurança ao
cidadão. Ela tem que assumir a administração da cidade. E existe a Guarda
Municipal para coibir esse tipo de comportamento inadequado”, diz.
Para ele, a
Transalvador não deve se ater apenas a ordenar a fluidez do tráfego e a
aplicação de multas. “Ou a prefeitura terceiriza o serviço ou usa suas
secretarias para explorar o espaço público. A Transalvador não é só semáforo.
Tem todo o conjunto do trânsito. A prefeitura tem que explorar esse serviço e
fiscalizar de forma rigorosa”, opina.
Caso a matéria seja
aprovada na Câmara e sancionada pelo Executivo, o vereador sugere que a
Transalvador implante, no prazo de 90 dias, os equipamentos conhecidos como
parquímetros, dispositivos usados para controle de estacionamento rotativo. A
previsão é que o projeto passe pela avaliação da Comissão de Constituição e
Justiça e, em seguida, pelas comissões técnicas. “Depois vai para Plenário e,
se aprovado, vai para o Executivo”. Ele estima um prazo de 60 dias para que o
projeto possa ir a plenário.
Choque
constitucional
– De acordo com o advogado criminalista
Sebastian Mello, professor de Direito na Ufba, para que algo possa ser
tipificado como crime é necessário que seja promulgado no âmbito federal. “O
crime tem que ser previsto em lei federal.
Nem lei municipal e nem
estadual podem constituir crime. O fato dele apenas cobrar não é crime em si
mesmo. Seria caso ele ameaçasse com a ocorrência de dano ao veículo. Assim ele
poderia ser responsabilizado”, explica. O crime de extorsão (Artigo 158 do
Código Penal), segundo Mello, se caracteriza em violência ou grave ameaça. “Me
parece que a conduta dos flanelinhas não pode ser caracterizada como extorsão
do ponto de vista legal, porque não há, em princípio, violência ou grave ameaça
de machucar ou ferir a pessoa”, opina. E no caso de dano ao veículo? “Nessa
hipótese, é possível encaminhá-lo à delegacia.
A ameaça de dano ao
veículo pode ser considerada extorsão, mas é muito difícil demonstrar que ele
efetivamente ameaçou. Vai ser a palavra de um contra a do outro. Casos em que
há ameaças implícitas,  como quando o
flanelinha diz que ‘Ah! Não vai pagar não, é? Também não vou olhar seu
carro’,  não encontra precedentes de
condenações dessa natureza”, finaliza.
O presidente do
Sindicato dos Guardadores de Veículos da Bahia (Sindiguarda), Melquisedeque de
Souza, diz que o projeto não ameaça os associados. “Em todo o país tem
guardadores. Flanelinha é flanelinha. Guardador trabalha de forma legal. A
gente trabalha na Zona Azul e em áreas permitidas”, diz.
Fonte:
http://www.correio24horas.com.br/noticias/detalhes/detalhes-2/artigo/projeto-de-vereador-tenta-criminalizar-atuacao-de-flanelinhas-em-salvador/

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