Andar de bicicleta a gente nunca esquece. Desde criança escutava esse ditado popular e aos 27 anos pude comprovar a veracidade dele. Após 11 anos sem montar em uma bike, comecei uma jornada profissional e pessoal: ir para o trabalho pedalando durante cinco dias para experimentar os desafios de uma pessoa que utiliza a bicicleta como meio de transporte.
Com a proximidade da Copa de 2014, o assunto mais discutido em Salvador é justamente a mobilidade urbana, ou melhor, a falta dela. O aumento em quase 45% na frota de carros tem provocado um verdadeiro caos na cidade, onde engarrafamentos frequentes e a qualquer hora do dia já fazem parte do cotidiano do cidadão soteropolitano, sem falar no sistema de transporte coletivo precário e o crescente índice de poluição.
A bicicleta surge como uma alternativa sustentável, econômica e saudável. Mas será mesmo possível utilizar a ‘magrela’ diariamente para cumprir as atribuições da rotina? Particularmente, sempre considerei essa alternativa uma utopia. Por conta disso, resolvi encarar as ruas e ciclovias de Salvador para relatar se realmente é possível utilizar a bike como meio de transporte. Enfrentar o trânsito de Salvador sobre quatro rodas já é bastante complicado, quiçá em cima de duas e com uma única força motora: as próprias pernas.
Confira o vídeo: http://g1.globo.com/videos/bahia/v/achava-utopia-mas-e-possivel-diz-reporter-que-trocou-carro-pela-bike/1619358/
Clique em Mais Informações e confira o relato dos cinco dias da experiência vivida pelo repórter.
1º dia (Sábado) – Ao sair de casa, no bairro do Jardim de Alah, o medo e a ansiedade foram inevitáveis, afinal, nunca havia feito um trajeto tão longo em cima de uma bicicleta (o meu destino diário é o bairro da Federação, em São Lázaro). Era tudo novidade. O freio, as marchas, o capacete, enfim, lá estava eu, em cima de uma bicicleta rosa.
O primeiro contato com o trânsito foi desesperador. Carros e ônibus em velocidade quatro vezes maior do que a minha e ainda a difícil tarefa de trafegar pelo asfalto da capital baiana. Mas, logo em seguida, fui para a ciclovia da orla. O meu trajeto era: orla (ciclovia a partir do Jardim de Alah) – Amaralina – Rio Vermelho – Garibaldi – Federação, cerca de 10 km, sendo aproximadamente 4 km de ciclovia e 6 km de pista para veículos. Ao finalmente chegar a uma das ladeiras que fazem parte do meu trajeto, um forte cansaço me abateu, mas logo em seguida lembrei que ainda restavam mais quatro dias, mais quatro aventuras, mais quatro desafios.
2º dia (Domingo) – Mudei o trajeto e fui pela Federação. O movimento estava muito mais intenso do que no dia anterior. Porém, me senti mais segura, pois a quantidade de ciclistas era infinitamente maior. O sol estava muito forte. Quase fui atropelada duas vezes, uma por um ônibus e outra por um táxi. Pouco consegui me manter à direita dos carros – que é onde os ciclistas devem trafegar na pista – por causa da imprudência dos ônibus e do asfalto irregular nesse lado da via. Quase caí da bicicleta quando entrei no ‘corredor da morte’ do asfalto (o vão que fica entre a pista e a calçada).
Neste segundo dia também resolvi arriscar e voltar de bike. Saí às 18h23. O trânsito estava mais tranquilo, e a volta foi mais rápida. Optei por não percorrer a ciclovia até o Jardim de Alah, pois a iluminação é inexistente e o risco de assaltos é muito maior. Às 19h já estava em casa.
3º dia (Segunda – Feira) – Percebi que a cada dia me cansava menos e chegava mais rápido ao trabalho. O tempo estava nublado, mas o calor era intenso. Incrivelmente o trânsito estava melhor, ou pelo menos as pessoas pareciam mais educadas. Fiz o trajeto pela Avenida Anita Garibaldi. Dessa vez já me senti com mais energia e mais força. Os buracos mais uma vez quase me jogam entre os carros. É realmente impraticável andar pelas ‘dunas de asfalto’ de Salvador. Apesar do movimento mais ameno do que nos dias anteriores, os carros pareciam mais velozes e a imprudência dos motoristas fica ainda maior.
4º dia (Terça-Feira) – Ao sair de casa, peguei o trecho com ciclovia, mas percebi que a falta de organização do trânsito atinge também a ciclovia. Pessoas se exercitando e pedestres em pontos de ônibus na orla não respeitam o trecho exclusivo para ciclistas. Em vários momentos precisei parar por conta disso e também por causa das interrupções da ciclovia, entre elas, um trecho em obras no bairro da Pituba. Mas, um dos grandes problemas é a segurança. Alguns trechos desertos do percurso me deixaram apreensiva e a sensação de ser observada a todo instante era frequente. Durante esses quatro dias não passei por nenhum policial ou guarda municipal em todo o percurso da ciclovia e apenas em alguns trechos da pista percebi uma tímida movimentação dos oficiais.
5º dia (Quarta-Feira) – A ansiedade do último dia desta trajetória fez com que eu encarasse um novo trajeto. Deixei a ciclovia de lado e fui pela Avenida Manoel Dias da Silva, uma das principais da capital baiana. Eu estava bem mais segura, mais veloz, mas os buracos atrapalharam muito o tráfego em meio aos carros. A topografia de Salvador também não favorece os ciclistas, mas é possível enfrentá-la sem traumas. Comecei a mudar de opinião e me dei conta de que é possível sim utilizar a bicicleta como meio de transporte.
Apesar das dificuldades encontradas no percurso, pude perceber que o tempo que levo de bike até o trabalho é praticamente o mesmo que eu levo de carro, cerca de 40 a 45 minutos. Economizei em torno de R$ 90 durante esses dias, considerando os valores gastos com combustível para abastecer o carro, além da academia, que deixei de frequentar por conta do projeto. Se contabilizarmos por um mês, economizaria R$ 360 no total (R$ 200 de combustível + R$ 160 da mensalidade da academia), o que já representa mais da metade de um salário mínimo. Futuramente, se o caos do trânsito de Salvador continuar assim, o rodízio de placas será inevitável. Caso isso aconteça, já sei qual meio de transporte irei optar: sem dúvida a bike.
Fonte: G1.com
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