Às 7h, com uma sensação térmica de quase 40°C, os dois corpos seguem quase colados. De repente, a mulher sente uma pontada – vinda do homem logo atrás. Isso não seria um problema se ela tivesse consentido. Mas não foi assim que aconteceu. O cenário era o ônibus que fazia a linha Lapa-Camaçari. E o clima era de qualquer coisa, menos de sedução. Era assédio.
“Primeiro, eu fiquei com medo. Depois, veio a raiva. Muita raiva”. Essa foi a definição da universitária Luísa*, 21 anos, para o que sentiu depois do abuso que sofreu no caminho para o trabalho, em outubro do ano passado. “O ônibus estava cheio, então eu tentei não ficar paranoica. Mas, numa curva, ele encaixou em mim, literalmente. Fiquei com medo, porque não conseguia ver o tamanho dele, não conseguia ver nada”.
Infelizmente, Luísa estava frente a um adepto do que os médicos chamam de frotteurismo. Isso nada mais é do ato de se esfregar em uma pessoa sem o seu consentimento, geralmente em locais com grande aglomeração, como ônibus, trens e metrôs. Na linguagem das ruas, ela tinha acabado de receber uma encoxada.
Nas últimas semanas, o tema dominou o noticiário nacional. As histórias começaram a surgir depois que um universitário desempregado foi preso após tentar estuprar uma mulher dentro de um trem de São Paulo.
Histórias – Esse foi um caso com repercussão. Mas não está isolado. No final do mês passado, Nilton Oliveira Figueiredo, 34 anos, foi preso depois de abusar de uma estudante de 19 anos em Teixeira de Freitas, no Extremo Sul do estado.
De acordo com a polícia, a estudante disse que já estava sendo seguida por Nilton antes mesmo de entrar no ônibus. No veículo, o homem sentou ao lado de sua vítima. Sem se intimidar, tirou o pênis da calça e tentou esfregar nas pernas da jovem. Assustada, a garota saiu gritando e chorando. Foi quando outros passageiros conseguiram contê-lo.
Como no caso de Teixeira de Freitas, outra estudante, Bianca, 22, não imaginava que se tornaria mais vulnerável justamente ao sentar em um banco do coletivo parcialmente cheio. Em dezembro do ano passado, ela pegou um ônibus no Campo Grande, ao sair da aula na Universidade Federal da Bahia (Ufba), às 22h30.
“Sentei onde tinham duas cadeiras vazias. Tinha um cara de uns 35 anos, relativamente bem vestido, me olhando, mas ele estava na frente do ônibus. Depois, ele levantou e veio sentar ao meu lado. Fiquei em choque”, lembra. Bianca diz que tentou ficar o mais próximo possível da janela – e distante do homem. Quando ele deixou as mãos próximas da região genital, ela entendeu.
“Ele olhava para mim e cochichava coisas, como se estivesse falando sozinho, enquanto mexia a mão. Depois, ele começou a mexer a mão demais e eu vi que a braguilha da calça dele estava aberta”. Mesmo assim, a primeira reação de Bianca foi a negação. Ela se recusava a acreditar que aquilo estava acontecendo.
“Quanto mais nervosa eu ficava, mais parecia que ele tentava esconder menos. Tentei ignorar, porque parecia que o meu nervosismo estava deixando ele excitado”, relata. Daí, ela não aguentou. Levantou e fez o resto da viagem até o Costa Azul em pé, ao lado do motorista – mas sob o olhar vigilante daquele homem que ela quer esquecer.
Para sorte de Bianca, o motorista parece ter compreendido que alguma coisa estava errada. “Pedi para ele parar o ônibus na frente de casa. Desci chorando. Minha vontade era de voar no pescoço dele, mas fiquei paralisada de medo”, conta a estudante, que não pega mais ônibus daquela linha. Casos como os de Bianca, em que o homem chega a manusear o próprio pênis, são menos comuns, mas isso não é sinal de tranquilidade nos ônibus de Salvador.
Ônibus – A falta de dignidade nos coletivos lotados é tudo que um adepto do frotteurismo precisa para tentar uma encoxada. “É de uma forma bem discreta. Nada de ficar empurrando. Mas tem muita mulher que gosta e passa despercebida”, tenta justificar o empresário Jonas*, 33, confessando as encoxadas.
Se tem quem goste, não é o caso da universitária Isadora*, 20. “Eu tomo cuidado, mas diria que isso acontece umas duas vezes por mês. Os mais comuns são aqueles que fazem questão de se esfregar por trás. Mas também tem aqueles que ficam em pé, esfregando ‘as coisas’ na minha cara, quando estou sentada”, conta.
Ela nunca teve coragem de reagir. “Não importa se são mais leves e não tem uma pior. São sempre revoltantes”, desabafa Isadora. “Me sinto pequena, diminuída. Mas fico com medo da reação da pessoa, caso eu reaja”.
Os agressores não se importam com lugar. No final do ano passado, Gabriela*, 20, foi surpreendida dentro do ônibus Buzufba, exclusivo de alunos da Ufba. E não foi só uma, mas duas vezes.
Numa dessas, o homem ficou atrás dela, segurando o ferro do ônibus de uma forma que as duas mãos da estudante ficaram entre as dele. Foi a posição ideal. “Quando percebi, tive que me abaixar para passar por baixo do cotovelo do tarado, que continuou na posição. Pouco depois, ele desceu, ainda deu uma última esfregada na minha bunda”.
Apesar da revolta, nenhuma das vítimas ouvidas pelo CORREIO denunciou o abuso à polícia.
Páginas de incentivo à prática somem depois de prisões
Em São Paulo, os encoxadores ganharam destaque depois que o universitário desempregado Adilton Aquinio dos Santos, 24, foi preso em flagrante por tentar estuprar uma mulher de 30 anos, dentro de um trem da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Usando o aperto como disfarce – e como desculpa – Adilton fingiu que estava com uma faca e mandou que a mulher abaixasse a calcinha, até que ele ejaculasse.
Ele ainda tentou arrancar a calça da vítima, mas foi impedido por outros passageiros, que começaram a agredi-lo. Depois de ter sido preso, Adilton não teve problemas para admitir o que tinha tentado fazer: “Infelizmente, foi um fato. Estava muito apertado (no trem) e eu não aguentei”. Só na semana passada, outras 25 pessoas foram presas na capital paulista – todas acusadas de assediar mulheres no transporte público.
Desde então, o método dos encoxadores se tornou público. Homens usavam celulares e câmeras fotográficas para registrar os abusos. Depois, postavam em redes sociais, como Facebook e Whatsapp. Só no Facebook, até duas semanas atrás, mais de 50 grupos e páginas reuniam os assediadores dos meios de transporte.
Uma única página que estimulava esse tipo de assédio, intitulada Encoxadores, chegou a ter 12 mil seguidores. Com a atenção da polícia, as páginas foram excluídas. Mas foi tarde demais para Daniela*, 23 anos. “Chamar de encoxada é pouco para o que eu recebi”.
Assim como a vítima de Adilton, Daniela estava em um dos trens da CPTM. Ela voltava do trabalho, às 22h, no ano passado. “Estava sentada, quando um homem sentou do lado. Ele colocou a mochila no colo, mas vi que ele colocou seu órgão para fora. Senti uma coisa no pé. Quando fui ver, ele tinha ejaculado”. O desespero veio quase ao mesmo tempo em que a chegada em uma estação – a deixa para a fuga do homem. “Foi horrível”.
Ipea: pesquisa com índice errado gera polêmica
Depois de divulgar um estudo que indicava que a maioria dos brasileiros concordava que mulheres de roupa curta deveriam ser atacadas, há cerca de duas semanas, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) informou, na última sexta-feira, que os dados apresentados estavam errados.
Inicialmente, o órgão havia informado que 65% dos entrevistados concordavam que mulheres de roupa curta merecem ser atacadas. Nas redes sociais, o resultado foi imediato: em Brasília, a jornalista Nana Queiroz lançou a campanha #EuNãoMereçoSerEstuprada, que ganhou repercussão em todo o Brasil. Até a presidente Dilma Rousseff manifestou sua indignação, no Twitter.
Porém, uma semana depois, o Ipea voltou atrás: o número correto de brasileiros que concordaram foi de 26%. Assim que o erro foi constatado, o diretor de Estudos e Políticas Sociais do órgão, Rafael Guerreiro Osório, pediu exoneração do cargo.
“Foi o famoso erro de planilha. Agora, não muda a conclusão geral, de que existe certa tolerância com a violência contra a mulher”, afirmou o presidente do Ipea, Marcelo Neri. Ainda assim, o instituto afirmou que outro número preocupante é real: 58% dos entrevistados acreditam que se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros.
Fonte:
http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/mulheres-relatam-casos-de-abuso-sexual-dentro-de-coletivos-em-salvador/?cHash=edf7d5749917ef48b524fc2935bff64c
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